Miguel, o rapaz apaixonado.



Era um dia ensolarado como outro qualquer. Era época de férias e iriam acontecer muitos festivais no parque, e Sofia estava louca para encontrar seus amigos, que guardavam um lugar com sombra e bem agradável para o piquenique e a vista para a sessão de fogos também era a melhor. Colocou seu melhor vestido, uma seda amarela com flores azuis, e um coturno pink para ficar com um ar descontraído. Na cabeça, acompanhando as reluzentes ondas castanhas do cabelo, uma tiara de flores que a acompanhava há anos.
Ao chegar, resolveu ficar na sombra das árvores, continuando a leitura de um livro, enquanto seus amigos curtiam o show por ela. Todos que passavam tinham curiosidade em saber o que  tinha este livro, que fazia uma moça tão bonita apenas ler e apreciar as músicas ao redor, ao invés de ver pessoas e dançar conforme o som. Sofia já lera aquele livro várias vezes durante anos, pois ele tinha uma mistura de romance com ação, além de que ela não era muito festeira e a leitura era uma das poucas coisas que lhe proporcionava felicidade. E cada frase daquele livro parecia trazer todos os personagens para fora, pois a menina já teve sonhos com quase todos eles.  Mas havia um personagem em especial que a encantava muito, era Miguel, o apaixonado. Ele era uma mistura de vários mocinhos dos mais variados livros e filmes. Era Dom Quixote, D’Artagnan , príncipe Felipe, Peter Pan, e por aí vai. E recitava seus textos românticos e pensadores durante cada luta, cada viagem, cada história nova que ele fazia.  O personagem Miguel tinha a mesma idade que a sua nobre leitora, e no fundo, bem lá no fundo, os dois sabiam que ele não era esse ser sábio que o seu autor gerou.

Sofia já estava quase terminando a leitura quando adormeceu, em um suspiro, imaginando como seria se os personagens que ela adorava saíssem para a realidade. Alguns minutos depois, foi acordada por uma voz meio familiar. Por incrível que pareça, alguns bandidos e mocinhos do livro realmente estavam junto dela. Ou aquilo era uma incrível coincidência em que alguns jovens do festival tinham as características dos respectivos “amigos” da garota, ou o desejo dela estava bem ali na sua frente. Miguel e seus amigos a estavam chamando para  aproveitar o festival, e Sofia foi. Foi, sem curiosidade em saber se aquilo era real ou imaginário, pois ela estava sentindo que ia tomar alguma irritante porém interessante lição de vida. Enquanto caminhava, Miguel ia recitando novamente seus pensamentos – “ a solidão é um grito no vazio, que causa gostosa e amarga insegurança de viver, mas é uma loucura a ser acometida pelos seres loucos da vida. Porém estes não enxergam o que há de bom lá fora, ou tem medo de enxergar, e preferem viver escondidos no próprio e banal mundo.”
Aquilo fez com que Sofia pensasse bastante sobre o que ela tinha feito durante anos. Ela tinha medo da realidade. Elogiou o rapaz pela bela frase e perguntou-lhe se tudo o que ele recitava e escrevia tinham alguma moção com a vida, com a realidade dele, e Miguel assentiu, mas resolveu mudar de assunto. Disse que Sofia precisava se divertir. E todos os outros “personagens” foram a empurrando para a roda gigante, o maior desejo da moça, por mais que ela não quisesse. Ao som das músicas, ela se divertiu bastante, estava até impressionada como ela não quisera nunca fazer isso. Em um leve impasse, Miguel, que parecia ter lido o pensamento de Sofia, recitou mais uma vez. Disse que aquele que não quer experimentar as simples coisas da vida morrerá com arrependimento, e sem conhecer a si mesmo, sem gerar um nível maior de independência, e sem conseguir contextos com a realidade. De alguma forma, aquilo tocou a moça, que ficou mais pensativa ainda sobre o que estava fazendo. Disse que estava cansada e resolveu voltar ao pé da árvore onde estava o piquenique e s sentou novamente junto aos seus livros. Miguel a abraçou, seguido de um leve beijo, e  cochichou ao pé do seu ouvido: 
- Lembre-se, querida amiga. Para ser feliz ou desfrutar de algo, não é necessário ter medo ou bloqueios. Aproveite ao máximo, por favor. Ah, mais uma coisa... bons sonhos.

Ao fim da festa, ela foi acordada pelos amigos. Calada, ficou confusa, sem saber se o cansaço que sentia era da leitura, do barulho musical, ou se ela tinha se divertido de verdade. Porém, jurou não esquecer nada do que viveu com Miguel, o personagem apaixonado. Ela nem fazia ideia de como iria contar para as amigas. Olhou para o livro, que estava fechado, e soltou um sorriso. O colocou na bolsa com todo o cuidado do mundo e foi andando, sorrindo.

Um dos amigos de Miguel, quando todos já estavam dentro do livro, resolveu perguntar a ele uma pequena angústia.
- Mas Miguel, você não se esqueceu de contar a ela que...
- Acalme-se. Com certeza ela também sabe, ou deve ter descoberto que, para ter um coração bom e puro não é preciso ser inocente. E sim tomar coragem e não se negar aos simples prazeres da vida. Infelizmente, eu neguei os meus, e espero que ela aproveite os dela.



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