FRUSTRAÇÃO

 O último souvenir que Amor me enviou estava recheado de incerteza, falsa esperança, autoilusão e autoencantamento (que eu chamaria também de negação) de quem ainda não sabe aceitar que deve (mas tenta) buscar solitariamente a própria salvação.

Abri esse souvenir com uma boa dose de medo e desconfiança, e, torcendo para estar enganada, o coloquei num cantinho seguro de uma estante. Merecia ele um pseudoaltar, ou era melhor ter enviado de volta ao remetente? 

"Bom, vejamos quanto tempo esse souvenir dura. Ele é lindo, mas algumas coisas não combinam tanto com o resto da decoração. Está com muita fuligem e pó branco, mas nada que uma boa limpeza não resolva. A antiga dona não devia cuidar muito bem dele. É bem moderninho e atemporal ao mesmo tempo - se você quiser colecioná-lo, pode encomendar mini bibelôs parecidos com ele. Até que esse souvenir me renderia boas conversas em reuniões de família e de amigos." Sempre que eu o verificava, ele estava numa posição diferente. Era como se ele estivesse se movimentando durante a noite. Ele estava tentando se jogar da estante? Ou estava tentando me alcançar e tocar ? Estava confusa. Eu não sabia se esperava pelo melhor ou pelo pior, queria estar errada sobre o pior, queria que fosse a hora de parar de tentar ser sangue frio. 

Resolvi conferir uma última vez: o souvenir se estatelou no chão. "É, eu já sabia que não era o presente certo para mim. Ele não existe mesmo. O Amor falha e sempre falhará em todas as minhas encomendas", pensei. Não derramei nenhuma lágrima. Prometi nunca mais chorar por souvenirs perdidos ou quebrados, mesmo querendo muitíssimo. Pelo menos desta vez não senti que desperdicei meu tempo cuidando desse souvenir. Foi divertido tê-lo ao meu lado, mas foi horrível encontrar um pedacinho de papel que se revelou após a queda: "você é um achado, um tesouro, mas não é o meu".

É que é triste e cansativo ter que se salvar sozinha - em outras palavras, me arrasto sozinha nas trincheiras. Às vezes alguém traz uma água, um lanche, um sorvete, um cessar-fogo, uma distração qualquer para que eu não perceba que o tempo está passando rápido demais e me sinta derrotada nessa busca incessante por conforto e estabilidade.

É aborrecedor ter que se blindar, desenvolver sangue frio, não se deixar afetar pelo mundo exterior, afogar os desejos e as esperanças: (talvez) é preciso evitar perder tempo. Eu sou minha própria perda de tempo. Alimentar as ilusões não me ajuda a viver. Sonhar tem um preço muito alto.

Sentir é tão incômodo que ainda penso que é melhor (tentar) viver sozinha, para me poupar dessa angústia crescente que vez ou outra retorna, dessa grande interrogação que é não saber o que vem pela frente, dessa inquietude da falta de segurança que tenho em mim mesma e no mundo que me cerca. A falta não me movimenta, a falta me consome. Odeio precisar de respostas, odeio não ter uma gota de autoestima - eu apenas aceito que eu existo e tento fazer essa existência ser minimamente agradável. Já não me pergunto mais por que existo.

A incerteza é um veneno que percorre meu corpo de forma tão ardente que às vezes penso que ela é capaz de me matar. A rejeição me lasca cicatrizes pelo corpo, das quais evito falar, marcas de guerras emocionais internas, que nunca são decretadas encerradas, há apenas um cessar-fogo temporário.

Não sei quantas vezes mais terei que passar por esse martírio de receber e testar souvenirs, não sei como ainda consigo ser paciente, odeio me sentir uma coitada, somos todos um bando de coitados, alguns mais brilhantes, outros mais medíocres, alguns com sorte e outros com azar, assim como são as pessoas são as criaturas, já dizia meu pai.

Não quero mais que Amor me envie souvenirs, mas continuarei a abri-los. Gosto de pensar que estou um souvenir mais perto dele. E odeio lembrar que jamais saberei quantos serão. Mas quem está contando, além de mim mesma?

Ao souvenir, obrigada pela visita.


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