AINDA NÃO CONSIGO OLHAR PARA SUA MESA VAZIA



Ao leitor, sugiro ler ouvindo Marchinha Fúnebre, do Rodrigo Alarcon, ou Último Desejo, do Noel Rosa, interpretado por Martinho da Vila.


Uma semana sem ele. Só se passaram sete dias, mas às vezes parecem anos e, no pior dos corações, é como se tivesse sido ontem. Sempre vai parecer que foi ontem. Falo como se ele tivesse falecido. E de certa forma, morreu. A presença dele era marcante em cada segundo do meu dia. Pensava ter finalmente encontrado alguém, mas na verdade o que veio foi a certeza de que “alguém” não existe. Ele deixou de se sentar ao meu lado. Ainda não consigo entrar na sala e notar a carteira vazia. Parte de mim adentra a sala na esperança de que ele irá voltar para o lado de cá. Tudo se tornou um borrão – e a única coisa relevante é a voz da professora de Latim. De que adianta olhá-la se não terei com quem rir silenciosamente das piadas?

É que ele – vamos chamá-lo de X – me proporcionou tantos momentos bons, que o fato de não acontecerem nova e rotineiramente me traz uma estranha sensação de vazio. É notável que X me ajudou, indiretamente, a descobrir uma parte de mim que eu nem sabia que existia. Talvez estivesse trancada e guardada em um baú no fundo desse meu cérebro. Aconteceu que X o largou aberto e bagunçado, e eu quem trocou a fechadura e procurou outro esconderijo. Será que fui uma caixa de Pandora?

Há algo profundamente suspeito em como X adoeceu psicologicamente após tantos dias se envolvendo comigo. E isso é o que mais me angustia e gera ódio. Descarto e corroboro, como em um ciclo, a hipótese de minha energia ser sentimentalmente intensa demais, a ponto de fazer qualquer um reconsiderar a própria vida. Seria eu uma assombração?

Lembro-me do conforto que sentia nos braços dele – o primeiro e mais raro que senti, pois X não era um amigo ou parente queridos – e de como tal aconchego morreu rápida e sofregamente, quase que na mesma velocidade com que me foi entregue a avassaladora interrogação presente nas entrelinhas da sentença “não estou bem e prefiro me afastar” – a mais esfarrapada das desculpas.

Nesse mesmo espaço de tempo até agora, não tenho dormido bem à noite. Ele (X) – percebo aqui que já se tornou um incógnito – me roubou bruscamente o sono e entregou, no lugar, a Magali dos apetites, invertido assim mesmo. Como pode alguém se acostumar tão rapidamente a preciosas mensagens de bom dia, bom almoço e boa noite? Como esperar desacostumar-se na mesma velocidade? Será que ele não sabe que também sou deste planeta?

Estaria eu errada em sentir falta de alguém que sequer foi meu, e por tão curtos dias? Por que perdi minha racionalidade? Como X pôde ter a inconsequente capacidade de trazer a mínima das seguranças de que daríamos certo? Ainda bem que palavras de amor são feitas para se jogar fora. Tem noção de que os primeiros beijos sempre são os últimos? Admito: ainda tenho saudades dele. 

X,  ai de nós e você: ainda não consigo olhar para a sua mesa vazia.


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