A SECA QUE SECA


A fadiga da vida se acentua com a chegada da seca. Geográfica ou psicológica, é o esvaecer daquilo de mais precioso e vital à existência humana: a água – e o amor. Água, vide o sofrimento no sertão. Amor, vide o que Lispector diz sobre ele ser “a desilusão do que se pensava que era amor. E não é prêmio por isso não envaidece”.

De tempos em tempos, o homem, cansado e sedento, põe na mão do universo a mais incerta das decisões: ter de volta a sua fonte de sensatez, pois água e amor são puros sinais de sobriedade. A consciência de estar vivo, atrelada a uma animadora certeza do porquê continuar a viver – eis aí o fim e o começo da assustadora seca que seca.

Essa estiagem, antes tão natural e imperceptível, deixou de ser cíclica e perdeu seu controle por mero descuidado humano. Sua inquebrantável presença absorve, agressivamente, as variáveis da água e do amor: tudo que há de bom no mundo perde o significado, e ao homem resta apenas frustração e desejo. Sem água o mundo se extingue, mas sem amor quem padece somos nós.

A seca que seca exige equilíbrio e este deve surgir internamente. Equilíbrio advém da reflexão: “quem é a sua água e quem é o seu amor? Em que consiste tanta sofreguidão? Por que entregas ao universo aquilo que tu és capaz de controlar? Não esgote as suas fontes, cuide delas”, diz a consciência do homem. No entanto, ele não responde. Pelo contrário: põe-se a chorar e recusa a admissão de culpa pela perda da água e do amor. Ficou sem nada. E a seca, já em chamas com tamanha insensatez, por um instante sugere a morte. Ou perda de consciência. Ou seria um drama sabático? Não sei, não estive lá para garantir.

Da água e do amor, sabe-se apenas o necessário, e ao mesmo tempo não se sabe nada, porque assim foi feito o homem: insignificante e dependente, tal como Lúcifer, incapaz de suportar o peso da vida, até o fim dos tempos um sofredor da seca, que seca sua alma, esvai o seu universo e lança o que resta na escura infinitude daquilo que ainda não foi descoberto. A seca que seca é – pasmem! – o homem que desumaniza a si próprio e se dissipa no cosmos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

SOBRE ESTAR DE LUTO EM VIDA

Caso eu me perca em minha pessoa

Pensamentos