Memórias de uma surdez - Um barulho muito estranho

Todo mundo sempre pergunta como eu fiquei surda. A explicação é uma conversa muito longa e eu ainda me sinto desconfortável, afinal, é algo que aconteceu há tanto tempo que não parece que foi comigo. Mas falar sobre o passado é bom às vezes.

Por que o título "Memórias de uma surdez" ? Porque eu realmente não me considero deficiente auditiva. Provavelmente pelo fato de ter perdido a audição depois de saber ler, falar e escrever, o que é raro.

 Para falar a verdade, até me esqueço que uso aparelhos auditivos, e quando tenho que avisar a alguém que não me conhece para falar mais devagar e com mais atenção para mim, fico nervosa. Porque eu não sou incomum e todo mundo se assusta quando digo que tenho esse problema (a sensação é de ser "uma surda extraordinária", ou algo do tipo).

Boa leitura.

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Quando eu nasci, fiz todos os exames que eram aconselhados nos primeiros dias de um bebê, mas um ficou em falta: o teste da orelhinha, para conferir se a criança tinha algum problema auditivo. Conforme eu ia crescendo, meus pais e as minhas professoras já tinham observações de que eu não escutava quando me chamavam, cantava errado as letras das músicas  e vivia aumentando o volume da televisão ou colocando legenda; no entanto, todos pensavam que isso era “coisa de criança”, de malcriação, etc. Pena que eram sinais.

Pois bem, eu nasci surda do ouvido direito e só percebi que não escutava por esse aos seis ou sete anos. Como eu não vi nenhuma importância, porque meu ouvido esquerdo funcionava perfeitamente, não contei para os meus pais. Mas os colegas da escola sabiam, se me lembro bem.

Por volta dos meus oito anos, teve uma noite em que comecei a sentir "um barulhinho muito ruim” ; eu estava tendo microfonia, e das fortes. Lembro-me de ter tontura ou enjôo. Corri para o colo da minha mãe, que estava assistindo a um programa de televisão com meu pai, e, então, adormeci. 

No dia seguinte, acordei sem ouvir nada. Fui para a mesa comer o cuscuz que minha mãe tinha feito para o café da manhã, e enquanto eu estava de cabeça abaixada, ela me perguntou se estava bom. Levantei a cabeça uns segundos depois, mas não respondi, porque não tinha ouvido a pergunta. 

Não me lembro direito o que aconteceu depois disso, mas parece que falei que não estava escutando e finalmente disse que o café da minha estava bom, e, apesar de não ouvir, consegui fazer uma leitura labial automática (só se consegue fazer leitura labial com as pessoas que já se conhece ou tem convivência há um certo tempo).  E foi a partir daí que começou o desespero e o sacrifício por parte de meus pais - e dos médicos também.

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